Reportagem: Camila Neumam
Fotos: José Felipe Batista
Quando ainda estava na escola, a jovem cientista Katharyne Chinaia, de 27 anos, não imaginava que seguiria carreira na área de biológicas, embora gostasse de ciências. Havia um preconceito de que uma formação na área não traria grandes opções profissionais nem um bom retorno financeiro. Na ficção científica, que adorava, geralmente eram os homens que davam as cartas. “Será que eu terei um lugar se quiser ser cientista?”, se questionava.
Mas ao acompanhar as ações de uma organização não governamental que procurava a cura para a epidermólise bolhosa, uma doença genética e hereditária que provoca a formação de bolhas na pele, sua paixão em estudar a cura de doenças falou mais alto. Katharyne não só fez uma faculdade, mas está na terceira graduação na área. Ela é formada em Ciência e Tecnologia, em Biotecnologia e está cursando Biologia, todas na Universidade Federal do ABC, em Santo André (SP).
Desde 2022, Katharyne faz um projeto de iniciação científica pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo qual pesquisa uma possível nova vacina contra doenças causadas por pneumococo, como meningite, otite média, sepse e pneumonia, a última que afeta milhões de pessoas no planeta todos os anos e matou mais de 800 mil crianças menores de cinco anos em 2019, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A pesquisa é realizada no Laboratório de Bacteriologia do Instituto Butantan sob orientação da pesquisadora científica Maria Leonor Sarno de Oliveira.
O projeto de iniciação científica de Katharyne foca no estudo de duas lipoproteínas do pneumococo, com o objetivo de avaliar se a aplicação delas em camundongos infectados confere proteção
“Muita gente me falou que era perda de tempo fazer mais de uma graduação, mas eu acho que é investimento em conhecimento, que nunca é demais”, ressalta Katharyne.
Paixão por genética
A paixão pela ciência veio nas aulas do ensino fundamental e médio, e foi ressaltada depois que a jovem assistiu ao filme “Gattaca – A Experiência Genética” (1997). A película do diretor Andrew Niccol, que foi premiada em 1998 com um Oscar de Melhor Direção de Arte, aborda uma sociedade futurista moldada por experiências genéticas. “Sempre fui interessada em ciência e lembro quando conheci as moléculas de DNA, que acho muito fascinantes porque mostram como tudo é codificado no nosso corpo”.
Na adolescência, a dúvida de se tornar uma cientista ainda rondava os pensamentos de Katharyne. Ela não se sentia representada: nos filmes de ficção científica sobre engenharia genética que gostava de assistir, como “Jurassic Park” e “Resident Evil”, geralmente os cientistas eram representados por homens.
Katharyne é formada em Ciência e Tecnologia, em Biotecnologia e está cursando Biologia, todas na Universidade Federal do ABC, em Santo André (SP)
O incentivo familiar foi determinante para ela se sentir segura em prestar o vestibular – sobretudo da mãe, pedagoga, e do pai, policial. “Meus pais sempre me levaram para museus de ciências, sempre me incentivaram a fazer pesquisa; tenho tios professores que são acadêmicos e me incentivam também”, conta.
Na faculdade, a dúvida se seria capaz de se tornar uma cientista foi perdendo espaço para a vontade e o engajamento de trazer outras alunas para a pesquisa. Principalmente quando entrou para o projeto Menina Ciência-Ciência Menina (MCCM), da UFABC, que incentiva meninas do ensino fundamental a seguir na carreira científica.
“Começávamos o projeto pedindo para essas meninas desenharem cientistas e a maioria desenhava homens. No fim do curso, elas desenhavam cientistas mulheres”, conta.
Virada de chave
A faculdade também permitiu a Katharyne fazer pesquisa desde os primeiros dias de graduação. Isso foi essencial para que ela fosse aprovada em 2022 no PIBIC para desenvolver seus estudos no Instituto Butantan.
“Eu já gostava do Butantan, mas nunca tinha pensado em trabalhar com vacinas, apesar de ter aprendido na faculdade sobre proteínas recombinantes, uma matéria que eu amei fazer. Então eu encontrei a professora Maria Leonor e virei a chave de que eu poderia usar proteínas recombinantes para fazer vacina”, completa.
Katharyne gosta de ciências desde a infância, mas vendo a predominância masculina neste papel, se questionou se teria lugar; o apoio da família a fez seguir na carreira
Avanços na pesquisa
O projeto de iniciação científica de Katharyne foca no estudo de duas lipoproteínas (MaIX e PrsA) presentes na bactéria e em vesículas secretadas pelo pneumococo (Streptococcus pneumoniae), descobertas recentemente e indicadas como fator de proteção para a bactéria. O objetivo é avaliar se a aplicação delas em camundongos infectados realmente confere proteção, ou seja, se são imunogênicas.
No primeiro ano de pesquisa, Katharyne produziu as proteínas, fazendo a clonagem, purificação e expressão delas e imunizando os camundongos. Logo nessa fase, as proteínas se mostraram bastante imunogênicas.
No segundo ano, a jovem cientista começou a estudar modelos de infecção, imunizando os modelos animais com as duas proteínas recombinantes e fazendo teste de colonização pulmonar (quando a bactéria se prolifera dentro do pulmão) com uma linhagem de pneumococo. “Vimos que a imunização com as proteínas foi capaz de proteger os camundongos. Comparados aos grupos controle, houve sim uma redução da carga bacteriana nesses animais imunizados. Isso nos leva a acreditar que, além das proteínas que já estudamos, a MalX e PrsA também podem ter um papel super importante na proteção contra essas infecções”, afirma.
A pesquisa é realizada no Laboratório de Bacteriologia do Instituto Butantan sob orientação da pesquisadora científica Maria Leonor Sarno de Oliveira
A próxima etapa do projeto envolve imunizar de novo os camundongos, fazer a colonização nasal da bactéria e avaliar se a imunização foi capaz de proteger os animais neste novo modelo de infecção nasal.
Para o futuro, Katharyne pretende continuar com sua linha de pesquisa em um mestrado. Ela acredita que há muito ainda a ser pesquisado e descoberto.
“Decidimos estudar essas duas lipoproteínas para saber se elas induzem a produção de anticorpos, se são capazes de conferir proteção e se estariam presentes em outras linhagens da bactéria porque uma das barreiras da imunização que temos hoje é que as vacinas não conferem proteção contra todos os sorotipos do pneumococo. Procuramos algum antígeno que proteja, independentemente do sorotipo”, esclarece.